Zaira Belintani
Há que se trabalhar alma, corpo e mente, respirar fundo, ouvir a voz do coração.
Meu Diário
18/11/2024 22h40
Os Sapos

Os sapos

 

Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

 

Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

- "Meu pai foi à guerra!"

- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

 

O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado,

Diz: - "Meu cancioneiro

É bem martelado.

 

Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.

 

O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.

 

Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A fôrmas a forma.

 

Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas..."

 

Urra o sapo-boi:

- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"

- "Não foi!" - "Foi!" -

 "Não foi!".

 

Brada em um assomo

O sapo-tanoeiro:

- A grande arte é como

Lavor de joalheiro.

 

Ou bem de estatuário.

Tudo quanto é belo,

Tudo quanto é vário,

Canta no martelo".

 

Outros, sapos-pipas

(Um mal em si cabe),

Falam pelas tripas,

- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

 

Longe dessa grita,

Lá onde mais densa

A noite infinita

Veste a sombra imensa;

 

Lá, fugido ao mundo,

Sem glória, sem fé,

No perau profundo

E solitário, é

 

Que soluças tu,

Transido de frio,

Sapo-cururu

Da beira do rio...

 

Manuel Bandeira foi poeta, professor, crítico e tradutor literário. Este poema foi escrito por ele em 1918 e publicado em 1919. Trata-se de uma sátira ao Parnasianismo, corrente estilística da época, que primava pela pela métrica, pela objetividade, pelos versos rebuscados. O poema "Os Sapos" foi declamado por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna de 1922. Dividiu o púbico, a crítica, mas abriu caminho para a poesia livre, os versos sem rima e novas formas de expressão poética. 

Publicado por Zaira Belintani
em 18/11/2024 às 22h40