EU ME LEMBRO
Eu me lembro do teu cheiro,
cheiro de leite e de flor.
Na tua lida sagrada
corrias por todo lado
desde o alvorecer,
realizando milagres
com tuas mãos de fada.
Do tanque para o fogão,
o ventre redondo ao calor
da lenha que fumegava.
Nos lábios uma oração,
enquanto fazias o pão
- nosso pão de cada dia.
Eu me lembro, teus cabelos
recolhidos às pressas,
presos por uma travessa
de madrepérola.
Se o fardo te pesava,
jamais ouvi um protesto.
À tardinha tu sentavas,
e com agulha de mão
cerzias as roupas, pregavas botão,
amamentando o caçula,
enquanto me ensinavas
no caderno a lição.
Não te coube a tua casa,
não bastou a tua obra.
Possuías tempo de sobra
para o mundo visitar,
com tua faina ajudar.
Com pérolas que recolheste
outra morada fizeste,
esta que habitas agora.
Quando a vida me atordoa,
tua lembrança me acalma.
Gestos, palavras, sorrisos,
fragmentos de história
são sentidos permanentes
Gravados em minha memória.